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Áfrikas: Olhares descoloniais 

Retratística de faces negras: centralidade e olhares contemporâneos em Paulo Chavonga.
Por Luciara Ribeiro

Em Áfrikas: Olhares descoloniais Paulo Chavonga apresenta o conjunto de 10 pinturas, em dimensões medianas, com cores fortes e muita sensibilidade na representação das faces que ele se propõe a representar. São pessoas que ele conheceu em diferentes momentos e situações, mas que possuem em comum o fato de serem negras, de origens diversas do continente africano e viverem atualmente na cidade de São Paulo. Tirando tais características, que também se estendem ao artista em questão, são seres humanos distintos, com histórias e subjetividades únicas, mas que, ao adentrarem o território brasileiro, são transformados e simplificados em “africanos”.​

Mas afinal, o que significa ser “africano”? O que torna alguém “africano”? Antes de tudo, se faz necessário afirmar que qualquer adjetivação que venha singularizada pelo termo  “africano” é insuficiente para definir algo ou alguém. Não existe a pessoa “africana”, a cultura “africana”, a língua “africana”, o povo “africano”, etc. ​

Há sim, milhares de pessoas relacionadas com contextos, histórias, regiões, pensamentos, línguas, identidades, entre vários outros pontos que poderíamos abordar, que são lidos como africanos. Ou seja, não há singularidade para nada que possa ser visto pelo nome “africano”, como se é de costume ouvir por aqui. E colocar isso em xeque tem sido uma das missões de Paulo Chavonga em suas carreira no Brasil. Apesar de termos uma longa relação histórica, cultural e etnico-racial com o continente africano, somos um país que desconhece muito dos passados e presentes de lá. Além disso, o racismo e os estereótipos gerados pela colonização européia e as perpetuações midiáticas colaboram para que se perpetuem violências simbólicas, físicas e psicológicas. Sabemos pouco sobre o que se passa do outro lado do Atlântico, e essa falta de notícias, imagens, conhecimentos, facilita a formação de imaginários deturpados. Ser “africano” no Brasil nunca foi uma tarefa fácil, ainda mais quando isso vai de encontro a outro enredamento histórico-social, o de ser “negro”. Enfrentar os impactos do racismo e da xenofobia, longe de seus núcleos de afeto, faz com que muitas das pessoas vistas pela lente reduzida do “africano” se coletivizem e entendam em comunidade como criar processos de resistência e de manutenção de suas subjetividades. No caso das mulheres, há ainda a camada do machismo, que se torna mais uma luta para manter-se viva. Segundo o filósofo anglo-ganesiano Anthony Kwane Appiah, mesmo não existindo homogeneidade entre os países africanos e nem das pessoas com ele relacionadas, elas podem aprender umas com as outras, assim como podem aprender com qualquer pessoa e relação no mundo. Entendo que é a partir desse posicionamento que Paulo Chavonga produz parte de sua obra, em especial a série apresentada aqui.

Chavonga se utiliza dos elementos reconhecidos por “africanos” para, de certa maneira, anunciar a sua escolha. Vemos nas vestimentas pequenos detalhes das estampas dos tecidos que são vendidos como “africanos”, cuja origem se deu externa ao continente mas que foi se tornando parte dos gostos estéticos e da moda de diversos países. Vemos também constante presença de acessórios capilares, como chapéus, lenços, turbantes, miçangas, entre outros, que aproximam da visualidade estética reconhecida por africana. São detalhes que participam estrategicamente da pintura, em cenas posadas e preparadas. No entanto, são ações que também fazem parte do cotidiano de diversas pessoas, que aparecem ali na complexidade da representação que lida como estereótipos para desconstruí-los, que os elevam para o campo da dignidade, e não do menosprezo.

Como bem dito pela escritora nigeriana Chimamanda Adchie, “o problema não é que os estereótipos não existam, mas que eles sejam incompletos”.

As pessoas que vemos são extensões do artista em um determinado momento no mundo, que no caso de Chavonga, surge de sua escolha, de seu compromisso artístico-político com elas, e consigo mesmo.

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São retratos, um dos principais gêneros da pintura, um elemento que demonstra o desejo humano em virar imagem, em ver-se nelas ou revelar os demais. A retratística de pessoas negras não é uma novidade na história da humanidade, porém, devido aos processos históricos de silenciamento, ocultamento e apagamento, elas ainda pareçam em construção como discurso e presença no campo das artes.

Paulo Chavonga não apenas optou pelo retrato, como demonstra através dele a sua habilidade e domínio técnico. O retrato é mais do que meramente uma representação, é fundamental que haja ali, na troca de olhares entre quem pinta e quem é pintado, envolvendo assim movimentos de corpo, de falas, de vai e vem.

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